sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Artigo: Trotsky, espírito ofensivo atual para uma nova geração, por Leopoldo Vieira

Nesta terça-feira que vem, 8 de novembro, em 1879, nascia para o mundo aquele que é um dos maiores revolucionários modernos, Leon Trotsky.

Não cabe aqui falar da exatidão de suas análises da URSS como sociedade de transição ao invés de economicamente socialista, quanto à necessidade de restabelecer a democracia para impedir a restauração capitalista, à natureza social da nomenklatura e a imprescindibilidade de uma revolução política para reencaminhar a revolução aos seus trilhos emancipatórios, ou, ainda, sobre o brilhantismo intelectual de ter formulado a estratégia da revolução permanente e a teoria do desenvolvimento desigual e combinado, alertas gerais com enorme atualidade se lançado fora o dogmatismo de levar os seus escritos ao pé da letra.

Quero falar de Lev Bronstein, filho do judeu Davi, como homem de idéias e que deve ser um exemplo para todo jovem militante de esquerda neste momento em que discutimos as causas e o perfil de “uma nova geração para tranformar o Brasil”, seja no PT, seja no âmbito de outros partidos de centro-esquerda, sócios do projeto que governa o país há 9 anos ou nas lides dos movimentos sociais.

“Sem sacrifícios heróicos, valor, decisão a história em geral não se move para frente. Porém o sacrifício somente não é o suficiente. É necessário ter uma clara compreensão do curso dos acontecimentos e dos métodos apropriados para a ação. Isso somente pode ser obtido por meio da teoria e da experiência vivida” (LT)

Trotsky se formou em matemática, sempre teve gosto pela literatura e conheceu precocemente o marxismo, chegando ao ponto de formular as suas teses fundamentais aos 26 anos, no seu Balanços e Perspectivas, sobre o “ensaio geral” de 1905. Pouco antes disso, mereceu o apelido de “Pluma” entre os círculos (muito jovens) do POSDR, por sua notótia habilidade com a “caneta”.Anos depois, um conhecido dissera que o via constantemente nos cafés moscovitas e de Petrogrado e jamais poderia imaginá-lo comandando o Exército Vermelho na guerra civil.

Um tipo de pensamento comum entre a esquerda até hoje, principalmente entre as juventudes socialistas, trabalhistas e comunistas. Quem lê, se preocupa com a teorização da ação, com a reflexão estratégica resbuscada e não puramente empirista/instintiva é logo o “ponto-com”, o “revolucionário de internet” ou o “mauricinho revoltado”. Estes, além de serem chacoteados como imprestáveis para a ação prática, são vistos com bastante preconceito pelo que essa linha de raciocínio considera como bons militantes: aqueles jovens que, por questões de ordem sócio-econômica, ainda não puderam “ler os clássicos” , terem uma formação política melhor, possuem deficiências na educação formal e terminam sendo utilitariamente usados para carregar faixas e bandeiras e animar carreatas. O mundo estaria dividido entre os “formuladores” e “carregadores de piano”.

Essa visão é estimulada, sobretudo, por dirigentes que, com escassa capacidade intelectual, estimulam o preconceito contra a leitura, a formação política, a sofisticação da formulação da ação, para se manterem onde estão e até fazer uso do militante visto como mera “mão-de-obra”.

A luz que o exemplo de Trotsky lança sobre isso é a necessidade, principalmente, do jovem militante oriundo das fileiras da classe trabalhadora se desenvolver intelectualmente, estudar o pensamento de esquerda, conhecer a história do socialismo, aprimorar a capacidade crítica, converter a experiência em reflexão teórica, crescendo como militante e como ser-humano. Traz também a verdade de que o acúmulo intelectual serve ao desenvolvimento da organização em questão - política ou social - à expansão hesitosa da luta travada e à formação dos novos militantes, não como uma espécie de professor que ensina os ungidos, mas como dirigente capaz para articular inciativas e encorajar comportamentos.

“Adquirir conhecimento e experiencia e ao mesmo tempo não dissipar o espirito lutador, o auto-sacrificio revolucionário e a disposição de ir até o final, esta é a tarefa da educação e da auto-educação da juventude revolucionária” (LT)

Mais adiante, Trotsky presidiu o soviete de S. Petersburgo, o mais importante da revolução. Incansável, buscava as massas nas esquinas, ruas, alamedas, praças, sempre ouvido pela sua grande oratória. Tomado o poder, transformou um exército de maltrapilhos numa arma capaz de derrotar ao mesmo tempo todas as tropas imperialistas, comandando-as de um trem blindado lendário que percorria de um extremo ao outro a Rússia. Com profícuo conhecimento político, negociou a paz de Brest-Litovsky.

Trotsky não era o militante acomodado, que se pauta numa tradição (ou analogia) que cerceia a criatividade para encarar novos desafios, fazendo a inteligência descansar e a derrota não parecer como tal, pois, afinal, ela seria a lei. Exemplo: há anos certos grupos do movimento estudantil fazem a mesma coisa, defendendo uma determinada posição sobre a reforma universitária, por exemplo, não para vê-la aprovada, mas sob o parâmetro de se autoconstruírem, mantendo suas bases sem crise, mesmo que entendê-la exija ousadia na ação e na caracterização, priorização do momento político etc. Esses mesmos grupos há anos fazem alianças sob os mesmos parâmetros: “se nos unirmos com força X ou Y (mesmo sendo ideologicamente de esquerda) nossa base vai ficar em crise”, pensam. Então “vamos unir os socialistas ou os socialistas de tipo tal ou os ‘revolucionários de verdade’”, concluem. Enquanto isso a realidade segue outro rumo. O “negócio” não é pensar a ação sobre o que a reforma universitária (exemplo) significaria para a educação e para a juventude brasileira, como enfrentar as contradições do projeto governamental, como resistir e derrotar os empresários da educação, mas sim em “não perder base” e manter o cargo que tinham no congresso da UNE de dois anos antes. O exemplo pode ser mais dramático: está-se num governo e, ao invés de imaginar-se o que se pode fazer dali para a juventude, com todo o potencial da administração pública, opta-se por fazer adesivos e contratar estagiários em escala fordista para a disputa do centro acadêmico.

O exemplo de Trotsky é o oposto de tudo isso. É por todo o conhecimento a serviço do movimento e do desenvolvimento dos desafios em favor da luta travada, pensando grande, com causas na cabeça, em vez de bitolas nos olhos.

“O mais contagiante entusiasmo rapidamente esfria-se ou evapora se não encontra uma clara compreensão das leis do desenvolvimento histórico. Freqüentemente, observamos como os jovens entusiastas, ao dar uma cabeçada na parede convertem-se em sábios oportunistas; como ultraesquerdistas desenganados passam em curto tempo a ser burocratas conservadores, assim como pessoas fora da lei se corrigem e se convertem em excelentes policiais” (LT)

O período da guerra civil foi também o que mais promoveu equívocos de avaliação em Trotsky. Foi nesta fase que ele defendeu que só a fração majoritária do partido poderia se manifestar, que se liquidassem as tendências bolcheviques, ordenou o fuzilamento de Kronstadt, declarou a imprensa uma arma (e arma não se permite aos inimigos). Porém, brevemente depois, teve capacidade de fazer auto-crítica e sugerir o caminho da democracia interna, do pluralismo pautado no reconhecimento da legalidade socialista e a participação dos sindicatos no palnejamento econômico que, diferentemente de atrelá-los ao Estado, criava participação popular na gestão das políticas deste.

Esse é um dos maiores exemplos que o velho Leon dá aos jovens militantes. Coerência sempre. Mas, isso não implica repetir sempre a mesma coisa ao longo da vida e sim manter-se no mesmo lado, mudando sim de opinião quando a reflexão indica o cometimento de erros, por maiores que eles sejam podem ser corrigidos, principalmente se está com 20 anos de idade. Que se alterem os ídolos, referências, posições políticas. Basta explicar devidamente porquê, com a devida boa política fundamentando. O oposto disso é o que fez o stalinista moderado Kruchev: para manter status, bajulou Stálin até sua morte. Depois disse que discordava de tudo. Há quem comece discordando de tudo e quando vem um status qualquer passa a bajulador.

“Sem sacrifícios heróicos, valor, decisão a história em geral não se move para frente. Porém o sacrifício somente não é o suficiente. É necessário ter uma clara compreensão do curso dos acontecimentos e dos métodos apropriados para a ação. Isso somente pode ser obtido por meio da teoria e da experiência vivida” (LT)

Nos efeitos da derrota para Stálin está o mais belo exemplo a ser seguido. Em primeiro lugar cabe lembrar que uma contribuição decisiva para a Trotsky passar à minoria no partido foi da juventude carreirista, que ingressava no bolhevismo através do Estado, como funcionalismo, pensando mais no futuro e no emprego do que em programa, idéias etc. Essa foi a base que produziu Brejnevs, Ieltsins, Putins. Em segundo lugar, ele foi caluniado, difamado, injuriado, deletado das fotos e livros. Sem direito à defesa, foi expulso, condenado, exilado.

Em todos esses momentos, ele resistiu, denunciou as mentiras como tais, repudiou as fasificações, lutou até onde pode. Escomungado do país que ajudou a fundar, sua única arma passou a ser, novamente, a caneta (na época, era uma pena não existirem blogs). Ainda assim, precisou ser assassinado. Antes disso fundou um grupo de jovens socialistas discordantes, a IV Internacional. Perseguida e fisicamente exterminada, ela sucumbiu ao isolamento, sectarismo e, consequentemente, às cisões. Mas, foi a luz dos revolucionários dignos, honestos e abnegados, que servem à causas e não a caprichos e oportunidades. Ele poderia ter feito um acordo com Stálin, afinal assim deve ser a política para alguns. Mas, não dava para ter acordo com o embrião da “Máquina de Moer Gente”.

Nada de esquerdismo. Trotsky, em que pese a bala e a peia que pegavam no Komitern, defendeu a disputa da III Internacional até que se assinasse o acordo Ribentrop-Molotov. Heloisa Helena e Zé Maria não são os exemplos subliminares deste artigo. Muito longe disso, favorecem o preconceito contra o pensamento trotskiano, que é rico e deve ser abraçado como patrimônio comum de toda a esquerda, naquilo que se mantem atual.

“A vida é bela, que as gerações futuras livrem a Terra de todo o mal e opressão e possam viver a vida plenamente” (LT)

A figura de Trotsky, junto a de Che Guevara, constitui um luminoso combustível do espírito ofensivo da juventude, da rebeldia com causas nobres, da dignidade militante, da resistência quando é fácil ceder e da disposição de combater até o fim sempre pela vitória. Che queria investir na juventude como a gênese do novo homem e da nova mulher, pós-capitalistas. Che estava com um exemplar de A Revolução Permanente quando caiu na selva boliviana. A frase de cima unifica os dois, semelhantes também na tragédia pessoal. A frase acima, dita em 1940 no México, quando Leon contemplava a paisagem da janela de sua fortaleza na “Toca do Coiote”, mais do que nunca é o porgrama universal da juventude de todo o planeta e o desafio mais importantes dos jovens da nossa época.

Leopoldo Vieira é assessor Político da Secretaria Nacional de Juventude do PT

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